A medicina oferece uma variedade de soluções que dão um basta a tormentos antes infindáveis. Das mais modernas invenções até pequenas mudanças no quotidiano
Pressão arterial, respiração, temperatura e batimentos cardíacos — medidos assim que o paciente chega ao ambulatório, os sinais vitais revelam quanto o organismo está comprometido. Mas outro fator importante para traçar qualquer diagnóstico, segundo a Organização Mundial da Saúde, é a dor. "Ela ajuda a acusar um problema ou, no mínimo, sua gravidade", reforça Osvaldo Nascimento, neurologista da Universidade Federal Fluminense, no Rio de Janeiro.
Na contramão, sabe-se hoje que essa sensação desagradável é um transtorno em si. A dor arrasa o bem-estar e, se não tratada, pode perdurar até depois de a agressão ter sido resolvida. "É inaceitável, com o que a medicina agora disponibiliza, conviver com dores sem fazer nada", arremata o neurologista Manoel Jacobsen, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Ao longo desta reportagem, veja o que está ao seu alcance para viver livre de desconfortos dolorosos.
Existe um mecanismo bastante complexo que faz a dor aparecer após uma agressão, seja ela uma martelada no dedo, seja uma apendicite. Se não é inibido depois de estar em atividade por um bom tempo, a maquinaria envolvida em dispará-lo fica sobrecarregada. "A estimulação contínua altera neurónios e outras estruturas, provocando mudanças que aumentam a sensibilidade", relata o anestesiologista João Batista Santos Garcia, presidente da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (Sbed), no Maranhão. Aí, qualquer atitude, como se levantar rapidamente da cama ou encostar em determinado ponto do corpo, transforma-se em sofrimento duradouro. Ou seja, a primeira regra para evitar incómodos futuros e resistentes é tratando os que, porventura, derem as caras.
Os remédios ainda dominam o arsenal contra as dores. Tanto que analgésicos são campeões de venda entre os medicamentos sem necessidade de prescrição médica. Por mais que as drogas sejam de fato eficientes — e, na atualidade, mais seguras e abrangentes do que as de tempos atrás —, elas devem ser usadas com parcimônia e, acima de tudo, orientação. "Se administradas indiscriminadamente, as medicações inibem processos de analgesia naturais", ressalta o neurologista José Geraldo Speciali, da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto.
Em outras palavras, entupir-se de comprimidos tende a resultar em um organismo cada vez menos capaz de aplacar, por si só, um sintoma doloroso. "Pessoas que tomam analgésicos em excesso para controlar uma enxaqueca ironicamente correm um risco maior de desenvolver cefaleia crônica", exemplifica Speciali. São limitações como essa que abrem espaço para as saídas não farmacológicas, voltadas especialmente para as dores persistentes.
Ao ouvir a palavra crónico, é comum pensarmos em problemas que nos acompanham para o resto da vida. Mas, diferentemente dos diabetes ou da hipertensão, doenças que realmente fazem jus ao termo acima, as dores crónicas muitas vezes têm cura. "Elas nada mais são do que um mal-estar que aparece constantemente por mais de três meses. Mas, mesmo quando duradouro, ainda pode ser só sintoma de um transtorno qualquer", informa Fabrício Dias Assis, anestesiologista da clínica Singular, em Campinas, no interior paulista.
Isso quer dizer que, resolvendo a questão inicial, a chatice tem uma boa chance de desaparecer. Tumores, depressão e infecções estão entre os males que costumam ter, como consequência, dores prolongadas — e que, solucionados, vão embora junto com elas. Outro motivo para buscar a opinião de um médico antes de limpar a prateleira da farmácia.
Atitude analgésicas
Não há como negar que a genética carrega um papel fundamental no desencadeamento das dores de longo prazo. Contudo, controlá-las também está em nossas mãos. Na Dinamarca, cientistas do Centro de Pesquisas no Ambiente de Trabalho de Copenhague obrigaram 198 empregados de escritórios com tilts no pescoço e nos ombros a participar de uma ginástica laboral por só 120 segundos ao dia. "Vimos que essa intensidade mínima de exercício já relaxa os músculos e, com isso, afasta o desconforto", revela Lars Andersen, líder do experimento.
Se uma pitada de atividade física contribui, dedicar minutos extras a caminhadas, corridas e outros treinos diminui ainda mais os sintomas. Primeiro porque uma musculatura forte resiste bem aos esforços do dia a dia e, logo, corre menos risco de ser sobrecarregada, fator associado ao surgimento dos piripaques doloridos. "Além disso, o sedentarismo compromete a produção pelo organismo de substâncias sedativas e que trazem bem-estar, como a endorfina e a serotonina", completa Assis.
Só que os limites de uma pessoa acometida por dores, claro, merecem atenção especial dos profissionais de saúde. Afinal, se a atividade se tornar exacerbada, o benefício vai por água abaixo. "Uma intensidade alta demais ou até mesmo movimentos específicos podem desencadear sensações desconfortáveis. Isso é comum em pacientes com fibromialgia", alerta Josimari Santana, fisioterapeuta da Universidade Federal de Sergipe e estudiosa dos meios de contornar essa doença que acarreta dores pelo corpo.
Agora, de pouco adianta suar sobre a esteira sem dormir bem. Isso porque o tempo gasto debaixo dos lençóis é outro auxiliar no fabrico daqueles sedativos naturais. "Existem pesquisas que provam que a privação das fases mais profundas do sono é um gatilho para dores musculares e de cabeça", comunica João Batista Santos Garcia, presidente da Sbed. Essa estatística também tem a ver com o stress decorrente de um período sobre a cama bem aquém do desejado. É que esse nervosismo, quando não deixa o corpo rapidamente, gera uma tensão que cansa e machuca os músculos.
Muito se fala sobre a influência da ementa nas dores, principalmente nas que atingem a cabeça. "A escolha dos alimentos tem lá a sua importância, mas, antes de mais nada, a pessoa deve se preocupar em não ficar sem comer por um período prolongado", ensina o neurologista Mario Peres, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
Um jejum por horas e horas geralmente termina em falta de glicose no sangue, também conhecida como hipoglicemia. E, como se trata de uma situação perigosa, em que sobem os riscos de desmaio, convulsões e até morte, o corpo ativa seu mecanismo de alerta. "A carência desse açúcar favorece a liberação de hormonas do stress. Esses, por sua vez, provocam uma constrição dos vasos percebida pelos receptores de dor, culminando em cefaleia", resume o nutrólogo José Alves Lara, da Associação Brasileira de Nutrologia.
Além disso, quem faz poucas refeições ao longo do dia em compensação costuma encher o prato ao se sentar à mesa. Quando toda essa comida vai parar de uma vez só na barriga, o estômago se expande além da conta e, aí, é desconforto na certa. E não é só o ventre que padece com a comilança desenfreada. "Para processar tanta comida, parte do sangue que irriga o cérebro se desloca para o sistema digestivo", expõe Lara. Daí, falta irrigação na massa cinzenta, o que deflagra cefaleias.
Existem pessoas que apresentam enxaqueca quando ingerem queijos, chocolate, banana e vinho tinto. Todas essas delícias contêm substâncias potencialmente dolorosas. Entretanto, só trarão uma consequência nociva em quem já possui intolerância a elas. A regra é justamente conhecer a si próprio e, a partir daí, respeitar seus limites. Ninguém precisa esperar a dor surgir para só então remediá-la.
O caminho da dor Apesar de parecer imediata, a sensação dolorosa só fica perceptível após uma sequência de ações
Dor aguda
1) Pontapé inicial Uma agressão, seja ela mecânica, química ou térmica, é percebida pelos nociceptores, tentáculos ligados aos nervos.
2) A viagem do estímulo O nociceptor emite então um impulso elétrico que atravessa a medula espinhal e chega até o cérebro, acusando a dor.
3) Um remédio natural Para interromper o sinal, a massa cinzenta produz analgésicos como a endorfina e envia uma mensagem relaxante aos nociceptores.
Dor crônica
1) Avaria na central... Por alguma razão, que pode ser genética ou ambiental, os neurônios ficam hipersensibilizados. Qualquer estímulo mínimo é interpretado como enorme desconforto. Ou, pior do que isso, as células nervosas passam a gerar dor sem nenhum motivo aparente.
2) ...ou na periferia O excesso de trabalho desnorteia nociceptores e seus nervos. Do nada, eles transmitem o sinal de que algo está errado ao cérebro. É dor na certa.
Pequenas práticas que fazem toda a diferença Uma ou outra correção no quotidiano pode ser o que faltava para se ver livre do problema
> Dê folga aos olhos e ouvidos A poluição visual ou a sonora influenciam a pressão intracraniana, favorecendo dores de cabeça. A cada hora de frente para a televisão ou para o computador, recomenda-se um pequeno intervalo.
> Fique de olho na circulação Se o sangue não chega facilmente, faltam nutrientes para manter uma região qualquer funcionando. E esse desequilíbrio pode ser bem dolorido. Medir a pressão e consultar o médico dá conta do recado.
> Cuide da postura Isso vale especialmente para quem sente as costas reclamarem frequentemente. Há especialistas, como os fisioterapeutas, que podem ajudar. Mas, de maneira geral, evite entortar a coluna por muito tempo.
> Visite o dentista Além das cáries, que provocam sensações nada prazerosas, o ranger incessante dos dentes, conhecido como bruxismo, faz a cabeça latejar. Um odontologista diagnostica e trata o problema com facilidade.
> Exercite-se bem equipado No futebol, uma caneleira protege contra zagueiros brutos. Já os óculos de natação criam uma barreira entre os olhos e o cloro da piscina. Não se esqueça de ir atrás dos acessórios necessários à modalidade escolhida.
> Escolha calçados com cautela É complicado para muitas mulheres nunca usarem salto alto. Ou para qualquer um não calçar os chinelos na praia. Mas, no dia a dia, prefira sapatos confortáveis e que não alterem o movimento da pisada.
Roupas antidor A empresa Invel desenvolveu uma camiseta para atenuar as sensações dolorosas. E ela foi colocada à prova por cientistas do Hospital das Clínicas de São Paulo. Após avaliar voluntários com lombalgia que usaram a peça durante duas semanas, eles notaram uma redução de 45% no desconforto. Um teste similar foi feito com luvas criadas pela mesma companhia. E os resultados também foram positivos. "Esses produtos emitem um calor superficial que incita receptores na pele a enviar sinais de inibição do incômodo aos neurônios", explica Manoel Jacobsen, coordenador das pesquisas. Isso com a vantagem de não possuir efeitos adversos.
Cabeça magnetizada Um dos procedimentos que ganham cada vez mais destaque entre neurologistas e psiquiatras atende pelo nome de estimulação magnética transcraniana. Até agora, ele já obteve resultados promissores no tratamento de pacientes deprimidos, com mal de Parkinson ou até dos que se recuperam de um derrame. E o foco do momento é a sua capacidade para debelar as dores. O método consiste em emitir ondas magnéticas através de bobinas colocadas próximas do crânio. Dependendo da área que atingem, esses estímulos provocam diferentes reações. "Eles podem ativar neurônios específicos que inibirão as sensações ruins", atesta Wolnei Caumo, anestesiologista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e especialista no tema. Vale ressaltar que ainda faltam estudos sobre a abrangência da aplicação e que existem efeitos colaterais leves, como sonolência e enjoo depois da sessão. De qualquer jeito, espera-se que, nos próximos anos, a técnica se espalhe pelo Brasil.
Sinalização interrompida Uma agulha ligada a um elétrodo penetra na pele e emite correntes em pequenos intervalos com o intuito de interromper, no nervo afetado, o envio daquelas mensagens dolorosas. Essa é a radiofrequência pulsada. "Diferentemente da versão convencional, ela não destrói o nervo e, logo, mantém a sensibilidade a estímulos que não a dor", argumenta o anestesiologista Fabrício Dias Assis, da clínica Singular. A técnica não exige internação hospitalar e seu efeito dura de seis meses a dois anos. Os resultados mais positivos são observados no alívio da coluna, mas o procedimento também é indicado para a cabeça e até para debelar sensações dolorosas de um eventual câncer. "Só quem tem um marca-passo precisa tomar cuidado", ressalta Assis. Não é que essas pessoas estão proibidas de passar pela radiofrequência. Todavia, a corrente vinda da agulha pode mexer com o funcionamento do dispositivo e, por causa disso, antes de ser liberado, o indivíduo deve passar por uma avaliação completa.
A dor no divã A ansiedade e a depressão reduzem nossa resistência ao ai-ai-ai. "Eles alteram um sistema que controla o humor e as dores", afirma Pedro Schestatsky, neurologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Há casos em que as sensações físicas vêm antes do quadro psiquiátrico — ou seja, são sua causa. Prova de que sempre é bom investigar o sintoma doloroso mais a fundo.
Corpo de mulher Três representantes do sexo feminino convivem com uma dor crônica para cada homem com o mesmo tormento. "E o principal motivo dessa diferença está nas alterações vindas do ciclo menstrual. A oscilação dos hormônios femininos, por si só, já predispõe quadros como a enxaqueca", avisa o neurologista José Geraldo Speciali.
fonte: Adaptado do original de Theo Ruprecht
|