Todos os dias, milhares de portugueses tomam comprimidos que, ao invés de tratar, não fazem nada – e até podem fazer mal.
As descobertas sobre o genoma revelam que há dezenas de variações genéticas escondidas em muitos de nós que interferem nos tratamentos. Na lista de medicamentos analisados estão fármacos de grande consumo e até terapêuticas oncológicas.
Peritos de farmacogenética e farmacogenómica afirmam, de acordo com o Expresso, que as mutações genéticas já identificadas existem num número expressivo de pessoas, fazendo com que centenas de fármacos se revelem fúteis ou mesmo tóxicos.
Os antidepressivos, recordes em Portugal, não têm qualquer benefício em metade dos doentes. Entre quem tem problemas cardíacos ou de circulação, os comuns fármacos para prevenção não evitam enfartes ou AVC – podem até aumentar o risco.
Nas rotineiras estatinas para reduzir o colesterol há uma linha ténue entre a dose que trata e a que é adversa e é nulo o efeito de vários anti-inflamatórios, opioides para as dores e quimioterapias para cancro.
Há testes no mercado para identificar as variabilidades genéticas que condicionam a ação dos medicamentos mas a comunidade médica pouco os utiliza. “A maioria dos médicos não tem noção desta realidade, desde logo porque o ensino de genética em medicina é péssimo”, critica Carolino Monteiro, professor de genética da Faculdade de Farmácia de Lisboa (FFUL). “Faz todo o sentido identificar os polimorfismos e só não se faz por ignorância. Vem o argumento de que é caro, mas até já existem algoritmos online.”
O argumento do custo-benefício dos testes é constante, sobretudo para utilização generalizada no Serviço Nacional de Saúde (SNS). A análise está disponível no sector privado, custa cerca de 60 euros para as variações em genes associadas a um medicamento e apenas tem sido comparticipada no âmbito do tratamento da SIDA ou do cancro.
“O objetivo é que cada doente possa saber o que deve tomar e já há medicamentos que têm os polimorfismos indicados na própria bula. Mas os médicos continuam a não pedir o teste”, critica Ana Guia Pereira, geneticista laboratorial.
O presidente do Colégio de Genética, Jorge Pinto Basto, justifica a falta de adesão pela positiva: “A procura não tem sido relevante porque ainda não está demonstrada a utilidade clínica, sobretudo quando tem um custo adicional para o SNS. Faz diferença para o doente mudar o medicamento quando não está a funcionar ou é melhor fazer primeiro teste? Não se sabe, faltam estudos.”
Já Helena Carmo, do laboratório de toxicologia da Faculdade de Farmácia do Porto, afirma que “é preciso salvaguardar que a variabilidade genética é uma das possíveis razões para que o tratamento farmacológico falhe ou seja mais perigoso do que o esperado”.
A especialista sublinha também a importância da “alimentação, suplementos alimentares e fitoterapias, interações com outros medicamentos, hábitos tabágicos ou consumo de álcool, estado de saúde, idade, gravidez, entre tantas outras variáveis ambientais, por vezes mais determinantes do que as características genéticas dos doentes”.
Carolino Monteiro defende que é necessária uma estratégia nacional. “Está na altura de o SNS pensar o assunto de uma forma organizada”, remata Rui Medeiros, coordenador do Grupo de Oncologia Molecular do IPO-Porto. fonte: "aeiou.pt"
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